Por: Leandro Zerbinatti de Oliveira
Ali estava ela, Mahlya Drecetis, sobre a colina de grama
rasteira onde localizava-se a propriedade de sua família. Mas poucos dos seus
ali estavam. Apenas um dos vassalos que trabalhava nos campos e uma de suas
cunhadas, além, claro, do inseparável cão, Vörwen, grande como um lobo e com
seu pelo espesso e avermelhado, estavam próximos quando chegou a hora da prole
adentrar o mundo.
Sobre
aquela mesma grama, onde incontáveis vassalos foram humilhados e massacrados;
onde plebeus morreram de frio, fome e exaustão; o lugar pelo qual seguiram os
cavaleiros rumando à guerra. Ali ela dava a luz. Sem tempo ou possibilidade de
chamar o médico do feudo, a irmã do senhor seu marido puxava a criança para
fora, enquanto o camponês mantinha as pernas dela abertas – e certamente ele
seria punido posteriormente por tal ousadia.
Naquele
momento tudo era dor, gritos e sangue. Sangue era também a cor do cachorro. O
cachorro que a penetrava nos momentos de ausência em que o desejo predominava.
O cão que comia melhor do que todas as famílias que trabalhavam naquelas
terras.
O
herdeiro havia saído completamente. O cordão umbilical fora cortado de modo
grosseiro, por uma lâmina que a outra mulher carregava consigo.
Voltando
suas atenções ao útero ensanguentado de lady Mahlya, o plebeu e a outra nobre
deixaram o bebê próximo, sobre a grama. Foi então que aconteceu: abocanhando de
uma vez o infante, o cão Vörwen disparou pelos campos; seu banquete
inalcançável a quem fosse, enquanto a mãe empalidecia e deixava o mundo.
Cães.
Há quem diga que essa ou aquela raça seja assassina, violenta, malévola.
Equivocam-se pois ao proferir tais dizeres tolos. Também se equivocam ao dizer
que o homem nasce puro, ou que não pode mudar a forma como nasceu – os nobres
destinados a governar e os menos afortunados acorrentados à submissão eterna.
Não.
O homem nasce podre ou bom. Esse sim. Tal qual ocorreu com lady Mahlya Drecetis.
Desde criança (aquela fase que se crê possuírem inocência imaculada), ela já
manifestava sua arrogância. E creiam, essa é a verdade. A criança que um dia
será o homem podre, nada tem de inocente. Pode ter sim um quê de ignorância,
mas se o mal ali estiver ele irá com certeza se manifestar, seja em um
pensamento, em um secreto sadismo, ou em atitudes mimadas e dissimuladas.
Mas
jamais o cão. O cão nasce puro. Ele não tem perversão, mas é o homem (podre ou
bom) que o ensina no decorrer do seu convívio.
Justa
causa à lady Mahlya. Que por toda a vida ensinou seu cão, Vörwen a ceder aos
desejos da carne; usar quem quer que fosse para saciá-los; a pisar nos
indefesos em troca de seu sustento. Agora jaz ela nos nove infernos, vitimando
a si própria pela sua luxúria e também a sua prole, que jaz agora no estômago
do cão.
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