quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O Profeta do Caos

Por Leandro Zerbinatti de Oliveira

A floresta Klyvat pouco havia sido domada pelo homem. Com árvores antigas, cujos galhos se entrelaçavam nas alturas (como que mãos esqueléticas desejando impedir que o Sol tocasse qual tesouro obscuro ocultassem em seu coração) e com uma tapeçaria de folhas secas cobrindo seu solo, poucas eram as trilhas que cortavam aquela mata ancestral, e raros eram os que a escolhiam como rota de comércio ou viajem.

Um local inusitado para um encontro como aquele; um encontro que ocorrera, pode-se dizer, por puro acaso.

De um lado estava Faluug Haags, bardo e compilador de histórias, um jovem homem de feições comuns e rosto fino, com um pequeno bigode encerado, barba rala e com uma lisa cabeleira castanha escura que mantinha repartida ao meio e se alongava até o final da orelha; do outro, um homem um pouco mais velho, com um rosto pálido, liso e bem afeiçoado, que dava a impressão de sempre manter um sorriso misterioso nos lábios. Seus olhos eram de um castanho escuro (e por vezes pareciam ser completamente negros) e possuíam uma profundidade ímpar, como se enxergassem muito além, na própria alma daquilo que fitavam. Os cabelos eram negros e lustrosos, penteados para trás e presos em uma trança.

E agora ambos se saudavam.

- Oh, uma alma por aqui! Enfim, minha escolha descortina seus bons frutos. Faluug Haags ao vosso dispor; bardo e apreciador de conhecimentos. E qual seria vossa graça, meu senhor?

- As visões de um profeta importam muito mais do que o seu nome. – a voz do homem era grave e profunda, e exercia um efeito hipnótico naqueles que a ouviam.

- Um profeta! – exclamou o bardo em uma excitação, que logo deu lugar à cordialidade. – Oh, bom, isso explica por que escolheste este caminho, meu senhor; a plebe supersticiosa, comerciantes cautelosos ou nobres que querem viver o bastante para usufruir das posses jamais o fariam de bom grado. A urgência e a sabedoria devem guiar teus passos, por isso não mais tomarei teu tempo. – disse o bardo por fim, e pôs-se a caminhar com certo ar de desapontamento.

- Mas e você, Faluug Haags, por que razão passa por Klyvat? Quando me avistou abençoou sua escolha, e agora simplesmente intenciona partir. Se há algo que buscas, não te preocupes meu amigo. Diga, e eu farei o possível para auxiliar-te.

De súbito os olhos do bardo se alegraram.

- Se não for um incômodo, meu senhor profeta. Na verdade, escolhi esse caminho por um mero capricho de minha intuição, como se algo me dissesse que aqui eu vislumbraria eventos dignos de nota, ou encontrasse alguém interessante; o que fatidicamente aconteceu. E a verdade é que além do meu amor pela música e do meu dom narrativo, eu também sou dotado de grande por histórias alheias. Em outras palavras, nobre profeta, eu sou um colecionador de histórias.

Ao ouvir aquelas palavras os lábios do profeta desenharam um sorriso, e alguém versado nas sutilezas dos desígnios obscuros teria percebido um quê de malícia.

- Prossiga. – ordenou o misterioso profeta.

- Dar-me-ia a honra de narrar a história de vossa vida e, se possível, algumas das tuas magnânimas precisões e seus desfechos? – pediu Faluug.

- Mas é claro! – anuiu o outro homem. – Venha, vamos procurar um local mais confortável aqui na mata. – E seguiu a frente do bardo.

Um pouco mais para dentro da mata avistaram algumas árvores tombadas, não muito grandes. Ali, o profeta ajeitou sua capa negra (como o resto de suas vestes) e sentou-se sobre um dos troncos sem vida, fazendo gesto para que o bardo se sentasse no outro tronco, logo à frente.

Após pegar a pena e um grande livro costurado em couro, Faluug Haags olhou atentamente para o homem de negro.

- Então começarei. – declarou o profeta, encarando o bardo por alguns segundos, e então fitando a floresta, como se vislumbrando o desenrolar de alguma cena longínqua.

- Sobre a minha vida o que poso dizer? A profecia rege a minha existência, portanto a profecia é a minha vida...

- Mas...espere, o senhor nasceu em algum lugar, teve pais, ou alguém – talvez os pais do homem estejam mortos, ou jamais os conhecera, e não foi cortês evocar os nomes deles em presunções. – Peço perdão, mas como foi antes de ser um profeta? Deve ter havido algo digno de menção fora vosso magnífico dom.

- Não. Não houve. – declarou ele enfaticamente, com um tom sombrio na voz. – Mas se algo desse tipo lhe é tão interessante, eu lhe darei algo da minha juventude: meu nome. Podeis me chamar de Maelleus.

- Shhhh. – fez o profeta, ao reparar que o bardo o interromperia novamente. – Eu vou lhe contar algo a respeito das minhas profecias que fará com que você perca completamente o interesse no passado distante: é tudo mentira.

- Perdão senhor, o que queres dizer? – Faluug estava atônito.

- São falsas, as profecias. Eu as invento. Eu não sou um profeta...ou melhor, eu sou, mas não da forma como imaginas. Pois é contando as minhas mentiras sobre “o que irá acontecer e como irá acontecer” é que eu faço com que as pessoas causem tudo isso. Através da mentira, eu crio a verdade; através da fantasia, eu faço a realidade. – e terminou com um sorriso zombeteiro.

O bardo ouvia com os olhos arregalados e quase sem reação, forçando sua mão direita a esboçar um desanimado resumo daquilo tudo em seu livro.

- Mas não desanime Faluug Haags, eu vou narrar alguns desses episódios, e tenho certeza que servirão muito bem aos seus propósitos históricos. Comecemos pelo caso de Barmott; esta era uma vila rural, do tipo em que o único movimento é aquele das hélices do moinho e dos camponeses levando a colheita para o mercado. Ou seja, um lugar tedioso, governado por um descendente dos fundadores, Lorde Olvar Barmott. Em um agradável e cinzento dia chuvoso estava eu a passar pelo local, e por lá parei. Não demorou até que eu conhecesse todos os habitantes locais e, no transcorrer de algumas horas, o “ilustre profeta” fora convidado a ter para com os mais abastados de lá; todos desejando ouvir alguma previsão. Obviamente, dentre estes estava o próprio Lorde Olvar, que requisitou para si o direito, como autoridade local, de ser o primeiro a ouvir o que diziam as profecias sobre o futuro das suas terras.

- Profecias da vossa invenção... – observou o ouvinte.

- Sim, depois de uma eficaz observação do local e suas figuras relevantes. A audiência com Olvar teve lugar em um salão de jantar, no seu solar; éramos só nós dois e as velas, seus familiares, tal qual seus criados, foram dispensados mediante minha própria solicitação, “do contrário a profecia não funcionará, pois ela deve ser ouvida apenas pelos ouvidos para os quais foi feita”, foi o que eu lhe disse. – e sorriu com escárnio.

- Eu disse a ele então que as visões me mostravam uma bela vila, próspera, cuja grandeza seria cantada além de todas as fronteiras de todas as terras, e cada homem e mulher dentro de cada muralha invejaria aquele local, mas que aquele futuro corria perigo, pois ele só seria possível com Olvar no governo de Barmott, e ele próprio corria sério perigo, uma vez que sua esposa tinha um caso com outro nobre, e que ambos pretendiam envenená-lo para que o governo do local passasse para suas mãos. Hah, ele então se desesperou, quase saiu correndo de imediato para estrangular a mulher, mas eu expliquei que a profecia não era clara acerca da identidade do amante, e que ele deveria sutilmente fingir que não tinha conhecimento de nada, até que conseguisse descobrir quem o outro homem era. Eu parti no dia seguinte, mas não obstante as conseqüências daquilo tudo chegaram aos meus ouvidos. Lord Olvar não agüentou a situação e passou a espancar sua mulher diariamente para que ela revelasse a identidade do suposto amante, o idiota também se tornou paranóico, recusando-se a comer ou beber quase tudo que lhe dessem. Pouco a pouco essa semente floresceu, até que no fim das contas, em certo fim de tarde, Lord Olvar estava tão enfurecido com sua “vadia dissimulada” que passou a espancá-la com seu cajado de regência. A mulher, que até então suportara tudo no silêncio velado do lar, saiu pelas ruas gritando para que todos fossem testemunhas da barbárie, mas aquilo só deixou o homem mais possesso ainda.

Depois de uma risada sinistra e debochada, que escapo com naturalidade dos seus lábios, Maelleus prosseguiu em tom vagaroso e sombrio.

- Ele a alcançou pelas ruas da vila e ali mesmo a espancou até que a sua cabeça se partisse como uma fruta de casca dura, fazendo seu cérebro saltar como se fosse um caroço imprestável. A plebe que tudo assistiu acabou tomada pela fúria; ignoraram o status do homem e o arrastaram dali mesmo até a forca. Ambos Bormott morreram sem deixar herdeiros ou parentes próximos, e assim o senhor ao qual Bormott era vassalo enviou um novo regente para o local, um homem incapaz, um estúpido glutão mais preocupado com a organização da sua ceia do que com seu povo, e hoje a vila de Bormott nada mais é do que uma pocilga enlameada fadada a ocasionalmente desaparecer dos mapas.

Faluug terminou de escrever assim que a voz do profeta cessou, ele dirigiu ao homem de negro um olhar estarrecido e após alguns momentos se recompôs.

- Eu não nego que esse tal Lord Olvar tenha merecido a desgraça que se lhe abateu, o homem era um bruto; jamais se ergue a mão contra uma dama, ainda mais sem a certeza da verdade; mas mesmo assim meu bom senhor, qual o propósito que o conduz a tudo isso? Seria levar os corrompidos a causar a própria punição?

- Ah meu caro bardo, entendeste o cerne da questão, mas não o propósito. Eu faço isso, pois é divertido. Mas a minha diversão só é possível pelo ser humano ser estúpido. Preveja-lhe uma catástrofe, e no seu desespero para impedir aquilo ele fará de tudo...fará tanto, que acabará ele mesmo por causar o que visa impedir, quando se ficasse quieto e vivesse a sua vida da melhor forma possível, evitaria a tragédia; então não, eu não puno homens corruptos, eu apenas me divirto com qualquer tipo de indivíduo que se deixe levar pelas minhas previsões; e se deixarmos essa enfadonha discussão moral de lado, vou narrar-te mais alguns casos.

Com a velada anuência do bardo, o profeta sombrio passou a narrar outro caso.

- Estava eu a passar pelo rio Temtus, nas terras do centro, quando me deparei com uma pequena comunidade; lenhadores, artesãos e religiosos formavam a sociedade local, estes últimos responsáveis pelas leis e pelo governo local; uma teocracia rural hipócrita e sanguinária. Você sabe como é, bom Faluug, um bando de iletrados guiados pelas palavras de seu deus, encorajados a trabalhar como que com um cabresto durante o dia e a tramar contra os seus semelhantes durante a noite, em suas cabanas de madeira e palha, procurando (e na maioria das vezes inventando) sinais de bruxaria e corrupção nos próprios vizinhos; os homens, mulheres e crianças que conheciam durante toda a vida. Lá eles reverenciavam uma divindade de nome Leuuö, o senhor da pureza, e em nome dele cometiam todos esses abusos...

- Só um momento, caro Maelleus, como se escreve o nome do deus deles? Em todas as minhas viagens nunca ouvi falar de tal crença.

Depois de soletrar o nome da divindade, o profeta deu seguimento ao relato:

- Nunca ouviste falar, pois foram os próprios sacerdotes locais que criaram o culto e a divindade. E submeteram toda a comunidade às leis de Leuuö (também convenientemente elaboradas por eles). O que eles não sabiam, entretanto, sobre suas próprias terras, é que o lugar foi visto no passado como lar de bruxas e criaturas malignas dos ermos, isso tudo muito antes da chegada dos homens remanescentes da Expurgação de Mlhor. E claro, eu fiz questão de instruí-los sobre isso, incutindo mais superstições e temores em seus corações. Em seguida (o que me tomou muito tempo) tive de me fazer passar como um profeta escolhido por Leuuö, o que foge do meu feitio de atuação, mas eu não tive outra escolha...eles não acreditariam nas minhas palavras se de outro modo fosse. Depois de passar algumas semanas por lá, e de convencê-los de que o deus enviava suas mensagens através das minhas previsões, chegara a hora de realizar meu intento. Com palavras alarmantes eu os preveni de que uma das antigas bruxas do passado pretendia punir os invasores e semear a corrupção entre eles, levando-os ao sofrimento e a perdição de suas almas. Para isso ela possuiria o corpo de uma jovem extremamente bela, que houvesse praticado inúmeros atos de devassidão; isso assustou a todos, claro, em especial os sacerdotes, uma vez lá havia uma jovem, de extrema beleza chamada Cerissa; ela havia sido violada pela grande maioria dos sacerdotes, pois não conseguiam resistir aos seus dotes carnais, mas calava-se por medo, e também porque sabia que de nada adiantaria contar o que lhe era feito, uma vez que todos sabiam que os “bons” servos de Leuuö semanalmente a submetiam a sessões de exorcismo para livrá-la de um mal que a acompanhava desde a puberdade; haha, uma desculpa bem elaborada...

O narrador deu uma pausa, pôs-se em pé e acendeu um cachimbo fino de madeira negra que carregava no interior de seu manto. Depois de algumas tragadas, enquanto dava tempo para que o bardo organizasse suas anotações, continuou.

- Isso era tudo o que os débeis precisavam para acusar a jovem, de cujo destino infeliz eles eram parcialmente responsáveis. Lá eles puniam os hereges amarrando-os em um tronco e depois atravessando suas testas com um longo prego de aço vermelho, mas é claro que Cerissa não poderia ser submetida a tal execução fria, divertida e excitante, mas fria. Eu os instruí para que, quem quer que fosse o “receptáculo”da bruxa, devesse ser queimada viva, atada em cipó de hier.

- E eles escolheram realmente a jovem dama? Isso é uma injustiça! – exclamou o bardo.

- É claro que escolheram! Eles estavam assustados, e pela primeira vez acreditavam realmente na sua própria religião...além disso, a minha profecia uniu o útil ao agradável: eles calariam a única pessoa (além de minha pessoa, claro) a conhecer seus pecados e também impediriam a vinda de um grande mal. E assim foi. Eu deixei o local assim que a chama foi acesa, mas pude ver, de dentro da floresta, o clarão consumindo a vila; o cipó de hier derrete no calor, por isso eu fiz questão de incluí-lo no rito, pois assim a jovem em chamas poderia se soltar antes da morte, e espalhar sua vingança entre os mantos dos sacerdotes e as cabanas de madeira e palha. – e desatou-se a rir.

A expressão de Faluug era um misto de incredulidade e asco.

- Como podes fazer algo assim! De certo os sacerdotes hipócritas mereciam um castigo pelo que fizeram à jovem dama, e sabe-se lá quantos inocentes; mas incitá-los a matá-la de tal forma cruel! Ela não merecia morrer! Muito menos para os seus caprichos sádicos! Falso profeta!

- Falso? Jamais! O que eu digo pode ser mentira, mas os resultados que guardo para mim são plenamente verdadeiros! Eu sei o que está por vir! E é para garantir que essas coisas ocorram é que eu espalho as falsas profecias, pois sei que, comportando-se guiados pelo medo, os homens causarão os resultados que eu vislumbro! Eu prevejo o caos, e coloco aqueles que cruzam meu caminho na sua direção. Mas acalme-se bom Faluug, tenho mais uma, dentre muitas histórias para contar-te – e teria ainda mais, se não fosse aquele bastardo! Cético bastardo que ousou ignorar minhas palavras - pensou.

Desta vez o colecionador de histórias permaneceu carrancudo, quase quebrando a pena entre seus dedos, tamanha a força com que a segurava, aguardando pela próxima atrocidade do profeta obscuro.

- Essa ocorreu na cidade de Uncardien, na fronteira da costa leste, e prometo-lhe que a narrarei brevemente, colecionador de histórias, pois daqui devo partir diretamente para o reino de Masmin. Acontece que Uncardien era uma grande cidade portuária, a “rocha que encara o mar”, e isso por si só já o faz deduzir que ela vivia abarrotada de todo o tipo de pessoas que chegavam pelos portos, mas não era esse o único atrativo do local: um sistema de filtragem da água do mar que a tornava consumível, graças a um minério nativo da região espalhado por galerias sob as ruas atraia incontáveis visitantes, e proporcionava uma fertilidade única ao solo das redondezas.

Pausando a narrativa a fim de conceder tempo para as anotações do bardo, Maelleus reabasteceu o cachimbo e o acendeu novamente.

- Posso? Pois bem, em lugares com muitas pessoas, a proliferação das doenças é maior, e acontece que lá não era raro ocasionalmente um surto abrupto de alguma peste misteriosa ceifar algumas dezenas de vidas. Fortuitamente, na semana em que eu me instalei por lá, um desses surtos estourado, acometendo boa parte dos parentes de uma rica comerciante de águas, Candelya Lammusc. Depois de tentar a maioria dos médicos, ela enfim veio ao profeta, e as minhas instruções – observação, lógica, e um pouco de higiene pessoal – a levaram à cura do mal que flagelava seus entes queridos. Por gentileza e boa índole eu aproveitei a confiança da abastada dama e confiei a ela uma grava profecia acerca do futuro de Uncardien: o local fora vítima de uma maldição, por isso os surtos de doença eram comuns, e um pior viria, que não pouparia uma alma que ali se encontrasse. A maldição fora conjurada por uma entidade demoníaca, que se encontrava entre os habitantes do local, na forma de um inocente bebê, filho de agricultores locais.

O cenho de Faluug Haags tornava-se cada vez mais severo e incrédulo conforme ele supunha o fim daquela história.

- Com o testemunho de Candelya ao meu favor, não foi difícil convencer as autoridades locais, de que o ritual de purificação devia ser realizado. O bebê precisava ser sacrificado. Com um punhado de guardas, a milícia da cidade retirou o bebê dos braços de seus pais e seguiu a risca as minhas instruções, atirando o bebê vivo em um dos poços da cidade. Ah...demorou menos do que eu esperava, e aquele pequeno cadáver decomposto nas galeria subterrâneas logo espalhou sua podridão entre todos os que beberam dos poços da agora destituída de vida, Uncardien.

- Monstro maldito! Cria do demônio! – a pena se partiu entre os dedos de Faluug. – Profeta? És um assassino! Isso é o que és! – mas por maior que fosse a sua fúria o colecionador de história não ousava atacar o homem, pois se o profeta tivesse algum conhecimento de combate lhe tiraria a vida facilmente.

- Monsrtro? Não. Demônio? De modo algum! Faço o que faço pois me divirto, confesso, mas que culpa eu tenho se o ser humano é ávido para acreditar em minhas palavras e acima de tudo se achar no direito de tentar mudar o seu destino, seja ele real, seja ele pura invenção de minha parte? Eu já vos disse, se os homens se conformassem e vivessem suas vidas da melhor forma possível, nada disso aconteceria! Se a tragédia lhes recai, nada mais é senão por sua vontade ferrenha de tentar impedir aquilo que seu orgulho e medo não aceitam! E justamente por isso acabam desencadeando justamente o que pretendiam evitar! Diz-me Faluug, já não cantaste canções de escárnio? E já não expusestes vergonhas e depravações alheias?

- Sim, já, mas...

- E achas que isso também não pode ter levado a conseqüências tão funestas, senão piores do que os meus atos?

-É...é possível...

- Então quem és tu, ó ser humano, para me julgar? Se contar tuas histórias, se cantas tuas músicas, pelo seu prazer, sem se importar se elas trazem alguma conseqüência funesta? A minha história tu já tens, e agora, se me dá licença, devo partir para Masmin.

- Não! Isto não fará antes de mim! – gritou o bardo. – Pois sei que lá também espalhará a ruína! Mas eu chegarei antes de ti, e alertarei todos sobre o profeta negro. – e assim, Faluug Haags, pôs se a correr pela escuridão da floresta Klyvat, com o livro onde registrava suas histórias apertado contra o peito.

Quanto ao profeta, este permaneceu em pé, observando a fuga do colecionador de histórias, com um prazeroso sorriso nos lábios. Em seguida, ele fez um gesto e seu rosto adquiriu um aspecto aquilino e muito mais belo, seus cabelos passaram do negro para o vermelho sangue e se estenderam até as costas. A aparência com a qual Faluug Haags o conhecera ele não mais usaria, pois era o rosto de outro profeta, que por ocasião encontrava-se residindo no reino de Masmin.

Vai bardo, corre e impede o profeta sombrio que espalha seu veneno em Masmin, pois tenho certeza que haverei de me deleitar com o caos que advirá do teu feito.


Livros publicados pelo autor:

A Dama Escarlate - A Emissária da Morte

http://www.clubedeautores.com.br/book/21808--A_Dama_Escarlate

A Dama Escarlate - A Peste

http://www.clubedeautores.com.br/book/41755--A_Dama_Escarlate

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